A convite do Festival Guarnicê de Cinema, a crítica Fabiana Lima, do Cinemafilia, produzirá críticas dos filmes que concorrem nas mostras competitivas de longas nacionais e curtas maranhenses. Os textos serão disponibilizados no site guarnice.ufma.br. Confira a crítica de Germino Pétalas no Asfalto, de Coraci Ruiz e Julio Matos.
O Festival Guarnicê de Cinema
Realizado pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) da Universidade Federal do Maranhão, o Guarnicê 2022 ocorre em formato híbrido entre os dias 23 e 30 de setembro, com patrocínio da Equatorial Energia, Governo do Maranhão e SECMA por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, além de apoio do Sebrae por meio do movimento Mobiliza SLZ.
O Guarnicê 2022 também conta com apoio da Associação Maranhense de Desenvolvedores de Jogos Eletrônicos (AMAGAMES), Assembleia Legislativa do Maranhão, Astral Games, Bulldog Burguer, Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Eduplay, Escola de Cinema do IEMA, Fundação Sousândrade, Prefeitura Municipal de São Luís por meio da Secretaria Municipal de Turismo, Rádio Universidade, SESC, Teatro João do Vale e TV UFMA, além de cobertura do Site Volts.
“Intimista, Germino Pétalas no Asfalto é um retrato sensível e politizado sobre transição de gênero em meio a um Brasil historicamente transfóbico e cada vez mais violento. A premissa é bastante simplória: acompanhar a transição de gênero de Jack, que inicia seu tratamento hormonal em frente às câmeras, ainda em 2016. No entanto, à medida em que avança, se transforma em algo bem mais amplo, complexo e bagunçado, que o simples relato íntimo do cotidiano de Jack; com o tempo, Germino Pétalas no Asfalto se transforma em manifesto, ora forte, ora trôpego – um grito de protesto o qual dará voz à quem tanto é atingido pelo preconceito esmagador.
Nesse sentido, é seguro dizer que o filme de Coraci Ruiz e Julio Matos é, essencialmente, um meio para um fim, pois está ciente da sua mensagem impossível de se ignorar e de tudo que o torna essencialmente um instrumento político. Porém, para qualquer pessoa que estuda Cinema ou Crítica Cinematográfica e conhece o debate entre forma e conteúdo, reconhecer uma obra como algo que não um fim em si mesma é contraproducente, pois compartilho da ideia de que a arte deve ser analisada prioritariamente pelo que é, e portanto, tendo em mente que o conteúdo no Cinema só existe porque a forma o precede. E não o contrário.
Isso porque a sétima arte é, essencialmente, sobre a forma. Se fôssemos olhar apenas para a relevância do tema abordado, seu conteúdo, é claro que Germino seria impactante. Afinal, nós estamos no país que mais mata pessoas trans em todo mundo e o simples ato de conferir à essa minoria uma visibilidade já é por si só um ato de transgressão. Todavia, como que a mensagem pretendida está impressa na forma? Qual a potência das imagens, sozinhas, em levar essa mensagem adiante? É nesse ponto que Germino Pétalas no Asfalto tende a me decepcionar em muitos momentos – apesar de me dar imensa alegria em alguns outros.
O filme, em seu primeiro terço, o qual foca na jornada mais intimista de Jack, acaba tendo uma potência muito sublime nas imagens. Nosso protagonista sempre olha para as câmeras de uma forma muito convidativa, à vontade, e nos afeiçoamos ele, ansiosos para acompanhá-lo em tudo que vai vir depois. Porém, da metade da duração em diante, o filme muda de foco e decide abrir a possibilidade para algo além da vida cotidiana de Jack, introduzindo novos personagens os quais apesar de também fazerem parte dessa imensa rede de apoio e corroborarem com a ideia de fraternidade ali imprimida na comunidade, não acrescentam muita coisa para a narrativa – nem mesmo para reforçar a mensagem política.
A alternância, por exemplo, entre as cenas extremamente sensíveis e potentes de Jack em um consultório médico averiguando detalhes para uma possível cirurgia de mastectomia, e mais à frente, de cenas referentes a um monólogo sobre bruxaria trans, tornam as suas imagens dissonantes. São dois tons diferentes: enquanto uma cena guarda consigo um drama de potência imensurável com apenas poucas imagens e falas, a outra passa uma ideia um pouco mais teatralizada e até mesmo um pouco mais artificial de uma realidade que estamos a perceber ser um pouco mais urgente e, francamente, mais interessante ao filme que todo o resto.
A jornada individual de Jack já carregava consigo toda potência necessária para transmitir uma mensagem politicamente relevante e dar visibilidade a essa minoria que tanto precisa, no entanto o reforço repetitivo para enquadrar a narrativa nesse viés politizado, a todo instante, é apenas cansativo. São nos momentos que nos vemos mais próximos ao protagonista, como na entrevista final, que a emoção se torna ímpar e a sensibilidade da direção, inegável. São nesses momentos que percebemos como o Cinema, especialmente o gênero do documentário, tem a incrível capacidade ser uma janela e nos inserir em uma realidade que muito embora saibamos que exista, às vezes pouco conhecemos. Conhecer a história de Jack é manter viva em nossa mente todos outros “Jacks” que, mesmo em um governo nefasto e extremamente violento, travam lutas diárias pelo direito de serem quem são e se expressarem assim: exatamente como desejam ser vistos. ”