Crítica: Manguebit

A convite do Festival Guarnicê de Cinema, a crítica Fabiana Lima, do Cinemafilia, produzirá críticas dos filmes que concorrem nas mostras competitivas de longas nacionais e curtas maranhenses. Os textos serão disponibilizados no site guarnice.ufma.br. Confira a crítica de Manguebit, longa de Jura Capela.

O Festival Guarnicê de Cinema

Realizado pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) da Universidade Federal do Maranhão, o Guarnicê 2022 ocorre em formato híbrido entre os dias 23 e 30 de setembro, com patrocínio da Equatorial Energia, Governo do Maranhão e SECMA por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, além de apoio do Sebrae por meio do movimento Mobiliza SLZ.

O Guarnicê 2022 também conta com apoio da Associação Maranhense de Desenvolvedores de Jogos Eletrônicos (AMAGAMES), Assembleia Legislativa do Maranhão, Astral Games, Bulldog Burguer, Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Eduplay, Escola de Cinema do IEMA, Fundação Sousândrade, Prefeitura Municipal de São Luís por meio da Secretaria Municipal de Turismo, Rádio Universidade, SESC, Teatro João do Vale e TV UFMA, além de cobertura do Site Volts.

“Das mais belas sensações que a arte é capaz de causar, uma das que considero mais importantes é o sentimento de pertencimento. Um sentimento que nasce da ideia sociológica e antropológica de identidade cultural, presente na música, no cinema, no teatro e em todas as outras artes e movimentos culturais. Sempre acreditei piamente que a força de um povo se revela no momento da autoconsciência, da elevação da sua autoestima. E eu decidi começar esse texto por esse viés porque foi esse o pensamento central de uma das cenas que mais me marcaram no filme: um monólogo sobre o resgate da autoestima de um bairro, de um povo, um estado inteiro, através do Mangue Beat. 

Em 1990, é divulgada uma pesquisa que indica que Recife seria a quarta pior cidade para se viver no mundo. No meio de um cenário de desigualdade social, marginalidade e instabilidade política e econômica, uma força de resistência brota no cenário musical e, enaltecendo o maracatu e outros ritmos essencialmente pernambucanos, e se destaca nacionalmente como símbolo de uma contracultura, a qual embora não possuísse uma identidade musical una, se ligava pelas temáticas que traziam e, principalmente, pela sua motivação: dar uma nova voz para Recife.

O documentário Manguebit de Jura Capela nos apresenta em um pouco mais de 90 minutos como o movimento foi um exemplo de como a arte tem a capacidade de mudar cenários e de empoderar seu próprio povo o qual, depois disso, passa a ver o seu ambiente com outro olhar, com orgulho de pertencer àquele local. O filme consegue não apenas mostrar-nos toda a história do movimento em um ritmo dinâmico, como provar a sua importância e, ainda, prestar uma bela homenagem a quem foi o principal símbolo do Mangue Beat: Chico Science. 

Algumas escolhas que implementam esse dinamismo na obra advém de uma estética de videoclipes, em determinados momentos bem parecida com o início da MTV no Brasil, algo que conversa bastante com o período de ascensão do movimento. Assim, em alguns momentos, a escolha por alternar imagens de arquivo com cenas de dramatização de danças como frevo em um teatro vazio, é algo que confere ao filme uma forma um tanto quanto bagunçada, uma certa irregularidade na forma a qual, se sobre qualquer outro tema, não teria feito tanto sentido quanto fez aqui. 

Essa aparente confusão, entre diversas cenas mais tradicionais ao formato televisivo de documentário, com relatos de jornalistas, artistas e produtores da época, em contraste com as longas cenas de shows antigos ainda com o áudio original, por exemplo, acabam servindo ao filme e sua temática central. O caos, aqui, é algo que faz bem. Funciona para nos levar a esse mundo de rebeldia, de quem falava como pensava e de quem tomou a frente de uma luta que acabou transformando radicalmente como os recifenses se sentiam morando na, até então, quarta pior cidade para se viver no mundo. 

Manguebit resgata no espectador a lembrança do movimento que escolheu como tema e nos recorda, em meio a um momento de desesperança profunda como é o atual, como movimentos culturais podem transformar nossa realidade em algo mais bonito, nos dar força para lutar contra um sistema opressivo de perpetuação de pobreza, confiando na arte e sua mensagem impactante como porta-vozes de um povo que recupera sua autoestima e autoconsciência. Sem dúvidas, é um filme que sabe transmitir aquilo que deseja e conscientemente usa as ferramentas necessárias para isso. ”