A convite do Festival Guarnicê de Cinema, a crítica Fabiana Lima, do Cinemafilia, produzirá críticas dos filmes que concorrem nas mostras competitivas de longas nacionais e curtas maranhenses. Os textos serão disponibilizados no site guarnice.ufma.br. Confira a crítica de Máquina do Desejo, longa de Bernard Lessa.
O Festival Guarnicê de Cinema
Realizado pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) da Universidade Federal do Maranhão, o Guarnicê 2022 ocorre em formato híbrido entre os dias 23 e 30 de setembro, com patrocínio da Equatorial Energia, Governo do Maranhão e SECMA por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, além de apoio do Sebrae por meio do movimento Mobiliza SLZ.
O Guarnicê 2022 também conta com apoio da Associação Maranhense de Desenvolvedores de Jogos Eletrônicos (AMAGAMES), Assembleia Legislativa do Maranhão, Astral Games, Bulldog Burguer, Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Eduplay, Escola de Cinema do IEMA, Fundação Sousândrade, Prefeitura Municipal de São Luís por meio da Secretaria Municipal de Turismo, Rádio Universidade, SESC, Teatro João do Vale e TV UFMA, além de cobertura do Site Volts.
“Infeliz é o país que necessita de heróis”.
“Essa frase, que marca uma das mais importantes cenas de Máquina do Desejo, reverbera na sociedade brasileira até hoje. Afinal, mesmo após o fim da Ditadura Militar, ainda continuamos a escolher nossos “messias”. Ano após ano, ciclo após ciclo, insistimos em cair nas mesmas armadilhas que tentam nos convencer de que a arte é irrelevante e de que o investimento em cultura não é prioritário. Àquele momento, com o Teatro Oficina. Hoje, com a Lei do Audiovisual e tantas outras leis e iniciativas que sofreram grandes impactos e mudaram, para pior, o orçamento para arte a partir do atual governo, liderado por um suposto “messias”. Um suposto “heroi”.
O documentário de Joaquim Castro e Lucas Weglinski, na verdade, deixa bem claro para o espectador que os verdadeiros herois são aqueles lutaram, lutam e lutarão pela liberdade de criação, preservação da arte e direito da população de ter acesso à ela. Por meio de imagens do acervo audiovisual da Cinemateca Brasileira e do Teatro Oficina e uma narração em voice-over, Máquina do Desejo nos emociona com a maestria que possui em conduzir uma longa história de militância e resistência apenas com o poder irrestrito da imagem.
Sua força imagética, em termos de construção de sentido, remonta à montagem soviética e ao experimento de Eisenstein em O Encouraçado Potemkin (1925), assim como a Um Homem com Uma Câmera (1929) de Dziga Vertov. A ideia aqui é a mesma: a simples sobreposição da cena a + b formam um sentido c, perceptível aos olhos do espectador que se deduz sentido tanto por meio dessa montagem, quanto pela complementação desta com a narração em voice-over. Só por meio de dois recursos, sabemos quem fala em nome do Teatro Oficina sem a necessidade de uma interrupção da imagem ou mesmo da presença de um texto. É algo notável, que flui com o filme e graças a ele.
É interessante perceber, também, que a ideia de sentido é criada a partir de imagens de acervo que até então eram completamente desconexas umas das outras. Ou seja, diferente de um filme de ficção ou de outros tipos de documentário, onde as imagens são filmadas de acordo com uma sequência lógica, pré-pensada e direcionada, aqui acontece o evento contrário: a sequência é pensada após o domínio das imagens e é daí que parte a concepção da própria obra. O que apenas glorifica ainda mais o trabalho desempenhado pelos diretores e, claro, pela equipe de montagem.
A influência brechtiana, por sua vez, está presente não apenas no cerne do Teatro Oficina, em sua forma de pensar e fazer teatro, como também impacta a própria linguagem do filme e o forte expressionismo de suas imagens, que sozinhas contam uma história inteira. A presença constante de uma ideia de necessidade de transformação social, onde existe esse desejo de representação de uma classe específica da sociedade, a classe artística, é algo essencialmente brechtiano também, que é incorporado pelo filme e sua narrativa.
Ao final, é importante que existam filmes como esse, que evidenciem que o ato de fazer arte no Brasil é de militância e resistência. Uma eterna luta de pouca valorização, que deve ser defendida com unhas e dentes em meio ao descaso que insiste em cercar a cultura nesse país. Como é dito ao final, de fato “existe a máquina do desejo e a máquina de guerra” e precisamos, sempre, escolher a Máquina do Desejo. De um desejo de criar um país que valoriza sua própria arte, seus artistas e que irá escolher o teatro e o cinema, todas as vezes, em detrimento da tortura, da ignorância e da violência. ”