Crítica: Ela e Eu

A convite do Festival Guarnicê de Cinema, a crítica Fabiana Lima, do Cinemafilia, produzirá críticas dos filmes que concorrem nas mostras competitivas de longas nacionais e curtas maranhenses. Os textos serão disponibilizados no site guarnice.ufma.br. Confira a crítica de Ela e Eu, de Gustavo Rosa de Moura.

O Festival Guarnicê de Cinema

Realizado pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) da Universidade Federal do Maranhão, o Guarnicê 2022 ocorre em formato híbrido entre os dias 23 e 30 de setembro, com patrocínio da Equatorial Energia, Governo do Maranhão e SECMA por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, além de apoio do Sebrae por meio do movimento Mobiliza SLZ.

O Guarnicê 2022 também conta com apoio da Associação Maranhense de Desenvolvedores de Jogos Eletrônicos (AMAGAMES), Assembleia Legislativa do Maranhão, Astral Games, Bulldog Burguer, Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Eduplay, Escola de Cinema do IEMA, Fundação Sousândrade, Prefeitura Municipal de São Luís por meio da Secretaria Municipal de Turismo, Rádio Universidade, SESC, Teatro João do Vale e TV UFMA, além de cobertura do Site Volts.

“O poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade uma vez disse que “o tempo não passa, o tempo é, o resto, passa” e foi com esse poema que Gustavo Rosa de Moura decidiu encerrar seu emocionante drama familiar, Ela e Eu. Protagonizado por nomes como Andrea Beltrão, Eduardo Moscovis e Karine Teles, o filme emociona o espectador por meio de uma premissa que, embora simples e não tão original, é retratada de forma tão profunda e eloquente quanto a coesão do seu incrível elenco. 

Nessa história, a personagem de Andrea Beltrão é uma mulher que acorda de um coma de 20 anos. Quando aos poucos tenta resgatar sua vida de volta, irá bagunçar com o status quo da família que um dia fora a sua, hoje formada pelo ex-marido, sua nova esposa e sua filha. Bia vai recuperando sua consciência, fala e locomoção aos poucos, enquanto observa a dinâmica da casa mudando e percebendo como a sua presença e situação de saúde têm afetado aquele ambiente, um lar sempre tão acolhedor, que é retratado em tela em tons quentes de amarelo, verde e laranja.

É interessante perceber também a forma como o tempo é percebido dentro da narrativa, que é sempre algo muito fluido, impressionantemente bem executado através da montagem. A linearidade dos acontecimentos não se perde em nenhum momento, algo que dentro de uma história cuja evolução da personagem é um dos principais focos, é absolutamente essencial. O diretor constrói sua história sem precisar de muitos diálogos ou grandes eventos para evidenciar, em sua totalidade, o peso dramático que o filme carrega.

Em muitos momentos, somos nós que iremos preencher as lacunas, em termos de conclusão que são deixadas pelas imagens, a partir da nossa própria percepção daquela situação bastante incomum para nós mas vivida pelos personagens diariamente (como nos olhares trocados por Bia e seu ex-marido, ou no afeto que Bia troca com a atual do seu ex). Frequentemente, somos convidados a refletir sobre as diferentes dinâmicas familiares que existem e, ainda, pensar a fugacidade da vida, como tudo pode mudar da forma mais inesperada possível. Pois, mesmo sem saber o que deixou a personagem de Bia naquela situação, é possível que nós enquanto espectadores pensemos por ela, nos permitindo sentir tudo que ela está sentindo à medida em que esta descobre uma nova vida.

Um dos mais intensos e emocionantes momentos de Ela e Eu, na verdade, é proporcionado exatamente por esse sentimento de alteridade próprio do Cinema, em uma situação em que é possível nos colocarmos no lugar da personagem e sentir o amor, a dor e a gratidão que Bia sente pelo seu ex-marido. Em um diálogo de poucas palavras, Andrea Beltrão transmite uma emoção ímpar, que fica difícil de explicar se não estivermos assistindo. O beijo trocado por Bia e seu ex-marido exprime uma série de sentimentos os quais apenas imaginamos, mesmo nunca tendo vivenciado a mesma situação. 

Isso vai desde quando Bia fala “eu acho que o mar se sente como eu, e eu me sinto como o mar”, até o momento em que o personagem de Moscovis se emociona quando ouve “muito momento que nasce, muito tempo que morreu, mas nada é igual a ela e eu”. O sentimento dos personagens preenche a tela e nos invade. Não existem grandes eventos nesse filme, apenas a vida sendo o acontecimento principal, como ela é. De fato o tempo não passa, mas todo o resto se esvai em sentimentos. Pois é absorvido por todos nós. 

O gênero dramático no Cinema e seus vários subgêneros é visto como muito comum, mas a verdade é que bons dramas mesmo são difíceis de serem executados. Emocionar alguém com algo que este jamais pensou em viver é muito difícil e é uma tarefa que apenas quando muito bem realizada, faz sentido. Como emocionar o outro com algo que este nunca viveu e talvez jamais irá viver? É preciso envolver, é preciso contar uma história de uma forma tão eloquente e tocante, que o espectador não terá outra escolha a não ser viver aquela realidade por quase duas horas. ”